O impacto da pandemia do coronavírus – COVID-19 na administração da locação de imóveis – Problemas – Soluções – A Teoria da Imprevisão e o Desequilíbrio Contratural

Este artigo pretende examinar e abordar, de forma bastante objetiva, uma situação que está sendo atualmente vivenciada pelos administradores de locações imóveis, seus advogados e consultores: o impacto que a pandemia do Coronavírus – COVID-19, as medidas de isolamento social e, especialmente, a proibição do funcionamento de algumas atividades empresariais em relação ao cumprimento das obrigações contratuais.

É importante mencionar que este artigo não pretende, evidentemente, esgotar todos os estudos sobre os problemas e as soluções para a administração de locações de imóveis que devam ser definidas durante a pandemia do Coronavírus – COVID-19, até mesmo diante da intensa dinâmica social, política e econômica deste momento inquietante, devendo ser adotados criteriosos e sensatos ajustes dependendo do decorrer dos fatos e das medidas governamentais.

Nosso propósito é auxiliar na busca de resoluções e tomada de decisão pelos administradores de locação de imóveis, visando atender as solicitações e as necessidades dos seus clientes, podendo ser enfatizado, desde logo, que nossa recomendação é sempre tentar preservar os relacionamentos contratuais.

Todos nós sabemos que muitas atividades empresariais estão suspensas e inviabilizadas por prazo indeterminado, em virtude de determinações governamentais baseadas em critérios médicos-sanitários, gerando a uma quase certeira inutilidade do imóvel que foi alugado exatamente para servir de espaço ao desempenho do empreendimento planejado pelo empresário, podendo ocasionar, então, a ausência ou a redução significativa de faturamento.

Da mesma forma, pode ser vislumbrado, igualmente, em situações específicas, reflexos até mesmo nas locações residenciais, tendo em vista que alguns inquilinos podem ser impactados nos seus rendimentos e nas suas capacidades financeiras pela estagnação do ritmo empresarial.

Nesse cenário, diversos locatários estão solicitando às imobiliárias e aos locadores isenções, descontos, prorrogações das datas de pagamentos ou uma radical rescisão contratual, baseando-se na Teoria da Imprevisão ou alegando desequilíbrio contratual.

Nosso entendimento é nunca deve ser desconsiderada qualquer solicitação ou reclamação; entretanto, cada caso deve ser analisado de forma isolada e especial, merecendo tratamento cuidadoso e sensato, já que não são todas as situações que podem obter a aplicabilidade dos requisitos legais que permitem a revisão das condições contratuais.

Os contratos de locações de imóveis, em raras oportunidades, podem ser atingidos pela denominada Teoria da Imprevisão, desde que exista comprovação efetiva de uma desproporção incontestável que ocasione onerosidade excepcional e desequilíbrio contratual.

É interessante observar detidamente as regras previstas nos artigos 317, 393 e 478 do Código Civil brasileiro:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

As normas legais exigem requisitos e condições específicas que devem ser verificadas no caso concreto, não sendo razoável uma aplicação automática ou robótica, merecendo uma análise bastante criteriosa visando evitar injustiças ou descontentamentos e desgastes entre as partes contratantes.

A propósito, os administradores de locações de imóveis e seus colaboradores devem precaver-se para eventuais conflitos e para interpretações judiciais que podem não acolher as soluções temerárias e precipitadas que sejam aplicadas desrespeitando os comandos legais. A meta deve ser o atendimento à legislação, evitando a lesão aos direitos e deveres tanto de locadores, quanto de locatários.

Neste ponto, importante salientarmos que algumas pessoas invocam a incidência de normas similares do Código do Consumidor; porém, a jurisprudência já definiu faz bastante tempo que a relação locatícia não é uma relação de consumo, afastando, então, a aplicabilidade das normas consumeristas nas locações de imóveis.

Desse modo, devemos concentrar nosso exame quanto a adequação de cada caso concreto às regras do Código Civil, que exige uma “desproporção manifesta” (art. 317) entre o valor do aluguel que está previsto no contrato e o momento de seu pagamento.

Então, deve ser verificado, em cada caso concreto:

  • Realmente existe essa desproporção?
  • O valor do aluguel é desproporcional, em virtude das limitações no uso do imóvel impostas pela crise do Coronavírus – COVID-19?
  • A partir de quando ocorreu essa desproporção?
  • Qual o impacto efetivo da crise do Coronavírus – COVID-19 na locação do imóvel específico que está sendo examinada a possibilidade de aplicação da Teoria da Imprevisão?

É imprescindível verificar e comprovar que, na locação de um determinado imóvel, o valor pactuado de aluguel tornou-se efetivamente desproporcional e oneroso, na época do seu vencimento, em decorrência da pandemia do Coronavírus – COVID-19.

A norma do art. 478 estipula, até mesmo, uma drástica possibilidade da resolução (rescisão) do contrato, desde que comprovado o requisito da prestação “excessivamente onerosa” e, também, existindo comprovação de “extrema vantagem” para uma parte contratante.

Todavia, nesse panorama, devemos averiguar qual teria sido o fato motivador da “onerosidade”? Inegavelmente, o fato é a pandemia do Coronavírus – COVID-19, que, por óbvio, atingiu ambas as partes contratantes, devendo ser considerado, então, que embora o locatário possa sofrer repercussões em sua capacidade financeira para pagar o aluguel, torna-se indispensável demonstrar no caso concreto qual seria a “extrema vantagem” para o locador, que na realidade brasileira pode depender da renda da locação do imóvel para sua própria sobrevivência e de sua família.

É válida uma comparação casuística: suponhamos que, durante a locação de uma casa ou uma loja, ocorreu um incêndio e o imóvel ficou destruído; neste caso, seria razoável e justo que o locatário continuasse pagando o aluguel até a data do vencimento do prazo contratual? No mesmo raciocínio, tendo ocorrido uma limitação de uso do imóvel, ocasionada pela pandemia do Coronavírus – COVID-19, seria plausível e justo suprimir totalmente o pagamento do aluguel ao locador ou rescindir de forma abrupta, excessiva e onerosa o vínculo contratual?

Tais reflexões e conjecturas devem direcionar as resoluções a serem aconselhadas pelos administradores de locações de imóveis e seus parceiros para cada caso concreto, evitando-se radicalismos e oportunismos incoerentes ao momento de necessidade de compreensão mundial sobre os impactos da crise do Coronavírus – COVID-19.

Sobretudo, recomendamos nesse artigo que não devem ser empregadas condutas prematuras e imprudentes em defesa de nenhum ponto de vista ou parte contratante na relação locatícia. Nossa intenção é estimular uma interpretação isenta e imparcial da legislação, viabilizando um suporte para negociações imobiliárias.

Sendo assim, nós incentivamos que a tratativa das repercussões da crise do Coronavírus – COVID-19 e os eventuais conflitos observem a medida exata que cada parte contratante na locação de um imóvel pode ser impactada pelos efeitos da pandemia, pelas limitações e pelas medidas de contenção médicosanitárias impostas atualmente em atos governamentais, devendo o administrador de locações de imóveis servir e prestar o importante papel de mediador, explorando seu conhecimento, sua especialidade e sua expertise para que locadores e locatários solenemente obtenham uma solução consensual, que possa assegurar, neste período de crise, a continuidade do vínculo contratual.

Desta forma, analisando os interesses de ambas as partes contratantes e buscando equilibrar seus interesses conflitantes, o administrador de locações de imóveis deve tentar arduamente conduzir as negociações para um mútuo acordo, sempre solicitando e disponibilizando acesso às informações características das pessoas envolvidas na negociação e de todos os aspectos que interferem para uma definição prudente e harmônica em cada caso específico.

Também deve ser considerado que a Justiça determinou a suspensão parcial das suas atividades e está atendendo apenas em regime de plantão, sendo possível vislumbrar o acúmulo de serviços e processos nessa época de crise.

Igualmente, as imobiliárias estão tentando manter o funcionamento utilizando colaboradores em regime de trabalho remoto (“home office”), o que pode impactar em transtornos na realização de diligências urgentes, vistorias, recebimento de chaves e rescisões contratuais.

Concluindo, o ideal é utilizar a tradicional receita da cautela, respeito e lisura no
atendimento criterioso aos envolvidos em situações e em eventuais litígios
provenientes da pandemia do Coronavírus COVID-19, incentivando definições
que atendam às regras legais e ao critério da razoabilidade.

Portanto, neste contexto de OBSERVÂNCIA DA LEI, de RAZOABILIDADE e de IDENTIFICAÇÃO DAS ESPECIFICIDADES DE CADA CASO CONCRETO, o administrador de locações de imóveis pode aconselhar para as partes contratantes, por exemplo, a formalização de acordos para concessão de incentivos, progressões, regressões e abatimentos excepcionais, postergação ou antecipação das datas de vencimentos, flexibilização ou parcelamento de valores, isenção de multas e outros consectários, etc., que estejam vinculados ao período de isolamento social e às limitações das atividades cotidianas decorrentes da crise Coronavírus – COVID 19.

Somos esperançosos que essa pandemia deve servir de aprendizagem para utilização da conciliação e da mediação, demonstrando que os brasileiros conseguem enfrentar esse desafio e solucionar seus próprios conflitos.

Fonte: AMADI – Associação Mineira dos Advogados do Direito Imobiliário