“A Controladoria-Geral da União (CGU) lançou, terça-feira, 22 de setembro, o guia “Programa de Integridade: diretrizes para empresas privadas”, com o objetivo de auxiliar a iniciativa privada no combate à corrupção. Resumidamente, o guia traz os cincos pilares básicos (comprometimento e apoio da alta direção; instância responsável; análise de perfil e riscos; estruturação das regras e instrumentos e estratégias de monitoramento) que podem ajudar empresas a construir ou aperfeiçoar instrumentos destinados à prevenção, detecção e remediação de atos lesivos à Administração Pública.
Para as empresas de grande porte, as quais já estão submetidas as legislações internacionais (FCPA UK bribery act, etc), ou as que já possuem um programa de compliance implantado, o guia não trouxe muitas novidades, posto que a maior parte diretrizes estão em conformidade com as exigências internacionais. Porém, alguns pontos são inéditos ou peculiares ao ordenamento jurídico brasileiro, obrigando assim, todas as empresas, independente do seu porte, a debruçarem-se sobre o guia e entenderem o que a CGU busca com as novas orientações.
Antes de trazer os pontos mencionados, cabe ressaltar que todos os temas abordados são de grande importância, e não devem ser desconsiderados apenas por já possuir um programa de compliace “in place”, posto que um dos princípios básico de qualquer programa de compliance é o seu aprimoramento.
Muito bem, os “Key Points” que podem ser extraídos das diretrizes publicadas pela CGU, e que trazem um alerta maior as empresas brasileiras, ou as estrangeiras que desenvolvem suas atividades em solo tupiniquim, estão especialmente inseridos nos itens 3 (Análise de perfil e riscos) e 4.2 (Regras, políticas e procedimentos para mitigar os riscos). Muitos destes pontos estão atrelados aos processos de licitações e execução de contratos com o setor público, os quais apresentam riscos significativos de ocorrência de fraudes e corrupção, e estão elencados no artigo 5º da Lei nº 12.846/20133. Mas qual deve ser o foco das empresas para mitigarem os riscos envolvidos no ambiente licitatório e de execução contratual?
Bom, um olhar especial por parte das empresas deve estar dirigido aos tópicos abaixo colocados:
Contratação de agentes públicos: Muitas empresas se utilizam dos serviços de profissionais que são agentes públicos, ou que de alguma forma estão ligados a empresas de consultoria, com objetivo claro de alguma forma serem beneficiadas. Dentro deste contexto, as diretrizes divulgadas pela CGU indicam que o órgão irá verificar se a empresa contratou o agente público em razão do acúmulo de conhecimento do mesmo e com o intuito de prover aconselhamento técnico às decisões da empresa, ou se a contratação teve como objetivo possibilitar um acesso facilitado a órgãos ou autoridades, ou ainda, obter informação privilegiada. Visando mitigar os riscos relacionados a este assunto, as empresas poderiam analisar se os honorários estabelecidos condizem com a qualidade e relevância do serviço prestado, tendo como objetivo evitar ou identificar se algum pagamento indevido está sendo dissimulado pela prestação do serviço, ou ainda, se os agentes públicos sejam contratados sem que cuidados adicionais que enfatizem o caráter técnico da escolha sejam adotados. Outra medida que as empresas devem se atentar é quanto a contratação de familiares ou sócios de agentes públicos, uma vez que, este tipo de contratação é usualmente utilizado para encobertar o pagamento de uma vantagem indevida, além do que, é claro, se não existe nenhum tipo de conflito de interesse decorrente desta contratação.
Contratação de ex-agentes públicos: O principal questionamento que deve ser feito pelas empresas neste quesito é se o ex-agente público não está obrigados a cumprir um período de afastamento do setor em que atuava, além de ter a cautela de assegurar que nenhuma promessa de vantagem indevida foi feita anteriormente ao ex-agente, e assim, o contrato ora firmado serve apenas para ocultar o pagamento desta promessa através do contrato de prestação de serviço
Contato com agente público ao submeter-se a fiscalização: Este tema já foi manchete várias vezes no Brasil. Recordam-se das famosas “bolas” que eram, e ainda são oferecidas ou requeridas pelos agentes fiscalizadores em troca da não autuação da empresa. Pois é, devido isso a CGU se preocupou em contemplar o assunto em suas diretrizes. Assim, como forma de se precaver a empresa deve implantar políticas que prevejam como as fiscalizações serão conduzidas, bem como controles mais rigorosos e treinamentos mais frequentes as áreas e aos colaboradores que acompanham os procedimentos fiscalizatórios, posto que este contato pode levar funcionários ou terceiros a oferecer vantagens indevidas, ou ceder a solicitações.
Contratação de terceiros: É praxe no Brasil empresas utilizarem o serviço de terceiros quando o assunto envolve algum órgão público. Neste caso, a palavra terceiro deve ser entendida como aquela pessoa que pode praticar atos em benefício ou interesse da empresa, pouco importando a natureza de seu vínculo, ainda que não façam parte dos seus quadros ou não estejam diretamente subordinados a ela. Aqui, vale lembrar que, de acordo com a Lei 12.846/2013, as empresas podem ser responsabilizadas por todos os atos lesivos praticados em seu interesse. Devido a isto, as empresas deverão adotar mecanismo rígidos de controle e monitoramento para evitar que a sua imagem não seja comprometida pelos atos praticados pelos seus terceirizados. O ponto de partida pode ser a adoção de verificações apropriadas para contratação e supervisão de fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados, se a pessoa física ou jurídica possui histórico de envolvimento em atos lesivos contra a administração pública. Além disso, a revisão dos contratos de prestação de serviço, de modo a inserir cláusulas que dissertem sobre o tema, levantamento dos terceirizados que estão altamente ligados a atividades relacionadas com o poder público, e se não existente, a criação de uma política clara e efetiva sobre relacionamento com o setor público, podem ser medidas que tragam um ótimo impacto.
Obtenção de licenças, autorizações e permissões: Ao pleitear a obtenção de licenças, autorizações e permissões, funcionários ou terceiros podem ser levados pelo impulso de oferecer vantagens indevidas a agentes públicos, ou mesmo de atender a solicitações desses agentes, com o intuito de beneficiar a empresa. Por este motivo, as empresas deverão inserir no seu código de conduta a proibição deste tipo de atitude, e disseminar esta cultura no ambiente coorporativo. Não obstante, este tópico deve ser atentamente avaliado pelas empresas que tem os seus programas de compliance, códigos e políticas calcados nos regramentos do FCPA, pois uma revisão dos mesmos pode ser necessária para atender as diretrizes trazidas pela CGU. Lembremos que os “grease payments” se assemelham ao tópico ora em comento, e estes são considerados uma exceção à regra, e permitidos pelo FCPA.
Oferecimento de patrocínios e doações: Este tópico é um dos mais evidentes hoje na mídia brasileira, tendo em vista o desenrolar da operação Lava Jato. As empresas e o departamentos de compliance devem estar mais do que atentos quando o assunto é patrocínio ou doações, posto que esta prática pode servir como meio para camuflar o pagamento de vantagem indevida a agentes públicos. Assim, a implantação de níveis diferentes de autorização e inserção de cláusulas contratuais que determinem que os beneficiários comprovem a forma que o dinheiro foi utilizado sob pena de multa são alguma das medidas aconselháveis. Outra medida é saber se as pessoas/instituições são sérias e idôneas, e se elas não possuem ligação com agente público ou poder público, e se possuírem, a “red flag” deve ser acionada.
Oferecimento de hospitalidades, brindes e presentes a agentes públicos: É muito comum no ambiente coorporativo a prática que envolve este tópico, principalmente se a empresa possui relações comerciais com outros países ou pretende ingressar no mercado internacional. Na verdade, as diretrizes não indicam proibição desta prática; o ponto crucial e o qual a empresa deve ter como base é que os brindes, presente e hospitalidade não podem ser entendidos, a depender da situação, como uma vantagem indevida. A linha é tênue e muito difícil de ser estabelecida, mas a prática mais comum entre as grandes empresas é incorporar aos seus códigos e políticas os valores (razoáveis) e situações (específicas) que tal prática é permitida, implantar diferentes níveis de aprovação, ou até mesmo proibir tal conduta.
No mais, outros detalhes podem ser destacados nas diretrizes divulgadas pela CGU, tais como a menção da imposição de metas praticamente inatingíveis e as fusões, aquisições e reestruturações societárias de empresas. Quanto a primeira, a orientação de se fechar negócio a todo custo, em detrimento da manutenção de uma conduta ética pode ser catastrófica para a imagem da empresa, e pode ser evitada através do monitoramento das políticas de metas. Quanto a segunda, a “due diligence” deve ser palavra de ordem antes de qualquer fusão aquisição ou reorganização societárias, isto porque, há possibilidade de a empresa herdar passivos de atos ilícitos praticados anteriormente à operação, e assim tornar-se responsável por ele.
Ante todo o exposto, conclui-se que independentemente da existência de um programa de compliance, as empresas deverão traçar um caminho objetivando atender as diretrizes divulgadas pela CGU, e para isso, poderão considerar a criação de uma política clara e efetiva sobre relacionamento com o setor público capaz de mitigar riscos relacionados à participação em licitações e contratos administrativos; ao pagamento de tributos; à obtenção de licenças, autorizações e permissões; a situações de fiscalização ou regulação; à contratação de atuais e ex-agentes públicos, entre outros.
Ainda, como forma de obter um controle maior das suas atividades, regras que imponham a rotatividade de funcionários da empresa que tenham contato com agentes públicos, de modo a diminuir a possibilidade de vícios, regras que vedem a realização de reunião de um único funcionário da empresa com os mesmos, ou processos que envolvam atividades de alto risco passem pela aprovação de nível hierárquico elevado ou da instância de integridade, podem surtir um bom resultado.
Por fim, conclui-se que as empresas já possuem uma cultura de ética e integridade, algumas adaptações no seu programa de compliance poderão ser necessárias, enquanto que, as empresas que ainda estão em um grau inicial de implementação dessa cultura, muito trabalho ainda está por vir.”
Fonte: http://www.lecnews.com/